<i>O teatro pode dizer-nos tudo</i>

José Carlos Faria

O Dia Mundial do Teatro, que se celebra a 27 de Março, foi criado em 1961 pelo Instituto Internacional do Teatro, um organismo da UNESCO. O propósito era naturalmente consagrar a importância, a visibilidade e o «direito de cidade», político e social, de que esta forma de expressão artística beneficiara logo na sua origem, apesar de, posteriormente, em determinados períodos históricos, tal lhe ter sido sonegado. Na Grécia da Antiguidade Clássica, theatron significava «o sítio de onde se vê», monumento urbano, portanto, cujo nome se tornou extensível à designação das formas que acolhia. A condição imprescindível da presença do Teatro no coração da Polis está também patente, por exemplo, no Tratado de Arquitectura do romano Vitrúvio quando preconizava que «depois de escolhido o local para o Forum, há que escolher o local para o Teatro».

O Teatro «feito da mesma matéria com que são feitos os sonhos», é um simulacro (engendrado pelo real), uma mentira que fala verdade, projecção potenciada de alegrias, angústias, prazeres e anseios que preenchem a vida da gente, atento a tudo o que o rodeia («o Mundo é um palco» dizia Shakespeare), premonitório, persuasivo e daí, ao divertir e ensinar, pela sua capacidade de sedução e mobilização, alvo das pulsões de censura por parte da grande Ordem instituída.

Num tempo marcado por dualidades e oposições – Estado/mercado; público/privado; global/local; individual/colectivo; inclusão/exclusão – e com crescente precariedade e insegurança, o Teatro, ainda e sempre, é capaz de assumir uma dimensão revolucionária enquanto ruptura transgressora que destrói as convenções existentes, promovendo uma transformação profunda apta a congregar as consciências. O Teatro afirma-se assim como espaço democrático de Liberdade onde ela é estrangulada pela «democracia» mediática de massas. A lei do dinheiro tenta colonizar e capturar as acções dos homens e o capitalismo a isso chama-lhe liberdade. Porém, qualquer sociedade incapaz de reconhecer outro valor senão o dinheiro divinizado, torna-se um empreendimento sem cultura, ou seja uma empresa de bárbaros. O Teatro é pois um meio precioso para que o desenvolvimento não seja apenas avaliado em termos abstratos de números gerados pelos negócios mas sim através do contributo humano, concreto e sensível, expresso por uma visão autónoma do mundo.

Perante um poder supranacional cujos instrumentos são a finança, o controlo das tecnologias e da produção de informações e conhecimentos, poder supremo no qual a solidariedade se esvai e se favorece o impulso para um individualismo feroz e sem escrúpulos que pode até resvalar para a ilegalidade, o Teatro contrapõe tendencialmente uma comunidade de iguais, apetrechados com as armas duma progressiva capacidade crítica. A igualdade vai então a par com o conhecimento. Não esse confinado à elite, mas o direito inalienável de aceder a um conjunto de bens públicos fundamentais que são justamente o conhecimento, a educação e a cultura. Porque o monopólio do conhecimento pela classe dominante denota afinal a capacidade de impor uma visão totalizante e por essa via controlar e submeter os gestos dos cidadãos. A injustiça criada face ao que sabe perante o que não sabe, entre aquele que vê e o que não pode ver, não é menor nem menos grave do que aquela estabelecida entre o que tem e o que não tem.

O Teatro é um factor de emancipação

Como lembra o encenador russo Anatoli Vassiliev, na mensagem deste ano, «o Teatro pode dizer-nos tudo. (…) Entre todas as artes públicas só o teatro nos dá aquela palavra que passa de boca em boca, o gesto que vai de mão em mão, de corpo para corpo, o olhar nos olhos. O Teatro não precisa de intermediários para funcionar entre os seres humanos. O Teatro constitui a parte mais transparente da luz, (…) ele é a essência da própria luz brilhando nos quatro cantos do mundo. Do que sem dúvida não necessitamos é de um teatro do terror quotidiano – seja individual ou colectivo, do que não necessitamos é o teatro de cadáveres e sangue nas ruas e praças, nas capitais e províncias, um teatro falso de choques entre religiões e grupos étnicos»…

 



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